Uma nota sobre o Avesso
Hoje, 28/7 fui com minha queridíssima turma desse semestre
ver a Exposição da Mariana Guimarães. “Como habitar Abismos” no lindo
Castelinho do Flamengo. Muito inspirador ouvir Mariana falar de cada sala, cada
escolha feita junto à curadora. De certo, essa por sua vez uma parceira atenta
e presente. Acompanho desde sempre, desde a primeira gota de desejo de carregar
agua na peneira, ou nas bacias perfuradas, o trabalho de Mariana, e me foi
revelador ouvir falar sobre o trabalho no cuidadoso texto de apresentação de
Beatriz Lemos.
Finda a leitura, nosso grupo de 12 mulheres e 3 crianças percorreu o aconchegante espaço por mais ou menos 1 hora e meia.
Finda a leitura, nosso grupo de 12 mulheres e 3 crianças percorreu o aconchegante espaço por mais ou menos 1 hora e meia.
Cada contemplação, silencio coletivo, espaço para o acesso
das associações passadas e futuras eram permeados pela escuta atenta do Avesso
do que víamos. E o que víamos? Vimos paninhos na parede ao lado na lareira, e
dentro dela também. Vi o quadro da folha de bananeira. Vi uma peneira rosa no
meio das outras verdes. Vi um risco tradicional de ponto rococó revirado em
bacias. Vi o Zé retirar uma folhinha do bordado tecido e levar até a varanda.
Folhinha voou... voou.
Muitos assuntos em torno da imagem tecida! Um suspiro de
contemplação e impulso. Falamos finalmente do assunto do qual venho tratar essa
noite (como diria Nasrudim:” Vocês sabem sobre o assunto do qual venho tratar
essa noite? E uns dizem: sim! Outros: Não! E ele Por favor: a parte que sabe conte
para aquela outra parte que não sabe”)
Este o assunto, afinal_ O avesso. O avesso do bordado. Na
tradição, o bordado se reconhece pelo avesso. Na tradição, avesso e direito
eram idênticos. Na tradição, o avesso revela o modo de fazer do direto. Hoje,
fazemos nova leitura do avesso. Nos interessa o avesso emaranhado, nós e fios
longos. O avesso esquecido durante o processo de entradas e saídas da agulha
que persegue o risco do direito. Finda a obra, o avesso aparece como surpresa,
o lado esquecido se fez sem nossa atenção, ou lembrança. Encantamento! Ele
sempre esteve aqui?
O Avesso escondido foi lembrado como guardião da moral. Acrescento
que guarda também o segredo. Ou ainda, já que estamos tratando de tradição_
guarda o mistério. Mistério de fogueira acessa, “silêncio de cortar com faca”. E
na tradição, o mistério está guardado. O bordado é fruto de um trabalho manual
que vem sendo realizado há muitos e muitos anos, por gerações e gerações. Assim
como os contos de tradição oral, contados repetidas vezes ao longo dos tempos.
É no avesso que as histórias guardam o seu segredo.
Acessamos, sim, seu mistério quando temos disponibilidade para entrar nelas. E quando
temos a flexibilidade de nos colocar diante de um conto de tradição e perguntar,
como diz Regina Machado: “o que você tem para mim? E o que eu tenho para você?”.
Nesse instante de flexibilidade e deslocamento acessamos brevemente e com
encantamento esse lugar de mistério que está entre o avesso e o direito.
Na tradição, Ponto Sombra é o avesso do Ponto Escama e Vice-versa.
E os dois pontos são feitos na precisão de um determinado gesto especifico. As
mãos da bordadeira tecem uma imagem no lado direto e uma outra imagem no lado
avesso.
Quando ponto-cheio imagem semelhante, se ponto-palestrina
imagem diferente. Desse modo, há muitos e muitos anos, ora acima, ora abaixo do
tecido, na travessia da agulha, as mãos tecem semelhanças e diferenças do mesmo.
Juntos os lados opostos do tecido estiveram e estarão sempre juntos. Como
reparar em um sem o outro? “Agora a parte que não sabe, conta para a parte que
sabe...” ou vice-versa.